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Fusão FCA-Renault: afinal do que é que estamos a falar?

By on 31 Maio, 2019

São dois dos mais antigos construtores do Velho Continente, se falarmos apenas da Renault e da Fiat, são dos maiores colossos da indústria e podem, a breve trecho, acabar junto e formar o terceiro construtor mundial. Afinal o que está aqui em jogo?

O pontapé de saída foi dado por John Elkann, neto de Gianni Agnelli e tetraneto do fundador da Fabrica Italiana Automobili Torino, Giovanni Agnelli. Apresentou uma proposta de fusão da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) com o grupo Renault, criando um gigante com vendas próximo das nove milhões de unidades, tendo como pano de fundo uma divisão de 50/50 do capital da nova empresa e objetivo de criar economias de escala e poupar bastante dinheiro numa altura em que é necessário perceber que o mundo automóvel está a mudar.

E como o AUTOMAIS já referiu, esta fusão, no papel, faz todo o sentido. Porquê? Porque a Renault é forte onde a FCA é fraca, ou seja, no continente europeu e no que toca aos veículos elétricos. O contrário também é verdade, ou seja, a FCA tem uma razoável presença no mercado norte americano e herda via RAM e Dodge uma enorme experiência no setor das “trucks” e dos SUV.

Portanto, tudo isto faz sentido e, além disso, cria um gigante que pode ser muito maior se a Nissan e a Mitsubishi se quiserem juntar ao acordo. Há, no entanto, algumas pedras no caminho da fusão. A maior delas é a incapacidade que a Renault tem tido na China e a dificuldade em encontrar um carro capaz de dar cartas no segmento de topo.

Seja como for, o negócio está a ser ponderado pela Renault, sendo certo que os governos francês e italiano entendem ser um belíssimo negócio e dão todo o apoio.

Parque industrial

Na proposta de fusão, a FCA promete que existirão significativas economias em face das sinergias possíveis, sem fechar uma única fábrica. Se assim for, o parque industrial da FCA – Renault será um dos maiores do mundo. Do lado da Renault são 33 fábricas em todo o mundo com 133 mil colaboradores, incluindo já as unidades operadas em conjunto com a Nissan. Do lado da FCA são 17 fábricas, algumas delas operadas em “joint venture” (na China têm uma fábrica com a Guangzhou Automobile que faz o Renegade, Compass e Cherokee para aquele país) e cerca de 200 mil colaboradores. Ou seja, contas feitas, serão 50 fabricas e mais de 330 mil funcionários.

Analisemos, então, aquilo de que tanto se fala.

GRUPO RENAULT

O Grupo Renault tem uma gama que vai de A a Z, mas com falhas claras nos segmentos de topo. Além da Renault, o grupo gaulês possui as marcas Alpine, Dacia e uma posição de controlo no capital da AutoVAZ, a proprietária da Lada. Além disso, detém 43% do capital da Nissan e 80,1% do capital da coreana Samsung Motors, estando, ainda, numa aliança com a Nissan e a Mitsubishi. Contas feitas, o grupo Renault vendeu 3,9 milhões de carros em 2018, 3,2% mais que em 2017, tendo estabilizado vendas no Velho Continente e mostrado boas performances na Rússia, Brasil e no continente africano.

A marca Renault contribuiu para o sucesso do grupo que tem o seu nome com 2,53 milhões de unidades em 2018, um recuo de 5,2% face a 2017. O seu maior mercado é a França, seguido pela Rússia e Alemanha, sendo o seu modelo mais vendido o Clio que é, também, o segundo automóvel mais vendido no Velho Continente. Da gama da Renault fazem parte veículos elétricos, nomeadamente, o Zoe, lançado em 2012 sobre aquilo que seria mais uma geração do Clio. O modelo provou ser um sucesso pois a Renault é líder europeu no segmento dos veículos elétricos com 22% de quota de mercado. A marca francesa não vende carros nos EUA desde 1987 e a sua parceria chinesa com a Dongfeng, viu as vendas recuarem 26,9% em 2018. Ou seja, a sua força está na Europa, os calcanhares de Aquiles são a China e os EUA.

Outra marca é a Alpine, ressuscitada com o lançamento do excelente A110 lançado em 2017. Modelo de nicho, superou todas as previsões de vendas com 2091 unidades em 2018 e já chegou às 5 mil unidades produzidas. O A110 é o único modelo da gama e não são conhecidos planos para ir mais longe. Porém, pode a Renault tentar colocar a Alpine mais acima e, quiçá, uma espécie de resposta à Porsche. Difícil, mas não impossível.

A marca romena que começou como uma parceria entre o Governo romeno e a Renault em 1968, que produziu modelos da Renault sob licença até 1999, passando a partir desse ano a Renault a confiar na Dacia a aposta no segmento “low cost”. Com modelos feitos com base em modelos antigos, cuja tecnologia está mais que paga, os Dacia penetraram muito no mercado dos clientes de veículos usados. A estratégia resultou melhor que o esperado e a Dacia é, hoje, um dos bens mais valiosos da Renault. Valeu 511 662 carros em 2018, um aumento de 10,3% face a 2017, com uma quota de mercado de 2,9%. A Dacia é pouco conhecida fora da Europa e, por isso, a Renault vende os seus modelos com a marca francesa, nomeadamente, na América Latina e Médio Oriente.

Para os mais distraídos, a Lada já não é a marca que fazia carros obsoletos utilizando tecnologia obsoleta da Fiat. Longe vão os tempos do Lada Niva. Hoje a Lada tem carros de maior qualidade, tem o apoio da Renault e em 2018 vendeu 360 204 unidades, um aumento de 15,6% face a 2017 e tem 20% de quota de mercado. Fora da Rússia, o desastre é total, necessitando a Lada de encontrar estilo mais agradável, mais qualidade de construção e tecnologia ainda mais recente. 

FIAT CHRYSLER AUTOMOBILES

A Fiat acabou por ficar com a Chrysler, depois desta ter entrado em falência em 2009 e acabaram por se fundir em 2014 na Fiat Chrysler Automobiles (FCA). Com esta integração, o portfólio da FCA comtempla marcas como a Fiat, Chrysler, Ram, Dodge, Jeep, Alfa Romeo, Maserati e a Lancia. Contas feitas, a FCA vendeu em 2018, 4,8 milhões de unidades. A FCA é forte nos EUA, com a Jeep, a Ram e a Dodge a reclamarem 12,6% de quota de mercado. O grupo italo-americano é forte nos SUV e nos “Trucks” americanos, mas tem graves lacunas na eletrificação e na condução autónoma.

A marca Fiat é um baluarte e a base de tudo, criada no século 19 por Giovani Agnelli e um dos motores da industria automóvel italiana. Os últimos anos têm sido complicados para a Fiat, Apesar de ter vendido 1,5 milhões de carros, isso significa um recuo de 9,8% nas vendas face a 2017. E o mais preocupante é que 60% das vendas foram feitas na Europa, estando dependente do 500 e do Panda. A Fiat continua forte na América Latina, mas nos EUA tem vindo a desaparecer e em 2018 perdeu 41% das vendas com apenas 15 521 unidades, esmagadoramente do modelo 500. Na China, a Fiat não consegue ter tração e continua a ser um elemento menor. Precisa, urgentemente, de renovar a gama.

Ainda hoje é um enigma saber como é que a Chrysler se conseguiu salvar e como se mantém à tona, sobrevivendo tanto tempo a tanta convulsão. E a uma gama tristonha onde pontifica o Pacifica, um MPV de grande qualidade, mas num segmento a encolher de forma impressionante. O outro modelo é o 300, cada vez mais velho e á mingua de vendas. Nos EUA, o seu maior mercado, vendeu somente 165 964 unidades em 2018, um recuo de 12% face a 2017. A Chrysler vende carros no Canadá e no México, envia uma mão cheia de unidades para a Austrália e para o Médio Oriente e deixou de vender carros na Europa. O que é mais interessante na Chrysler é a parceria com a Waymo, a empresa da Google para a condução autónoma, que anunciou a compra de 62 mil unidades do Pacifica para a sua frota de modelos de condução autónoma. E a Waymo quer colocar alguma dessa tecnologia em carros de produção em série, estando a Chrysler na primeira linha para isso, recebendo uma boa vantagem face a outros construtores.

A RAM é um pouco como a Ferrari, pois é um “spin off” da Dodge, vivendo, hoje, como marca independente. Faz parte da FCA e é uma das marcas chave, pois é das marcas mais vendidas de “pick-up” nos EUA. O RAM 1500 é um veículo com uma margem de lucro brutal e de forma totalmente inesperada, ultrapassou a Chevrolet Silverado em 2018, ficando, apenas atrás da Ford F150 nesse lucrativo mercado dos “Trucks”. Contas feitas, foram vendidas 536 980 unidades vendidas da Ram 1500 (várias versões, claro) em 2018, transformando-se num dos melhores bens da FCA. Problema: a RAM não existe fora dos EUA e para colmatar essa situação, a marca está a preparar alguns modelos, nomeadamente, de entrada na gama e uma versão a pensar no mercado europeu.

Se a sobrevivência da Chrysler é um enigma, o que dizer da Dodge? Focada no mercado europeu, a Dodge já foi um dos grandes nomes do mercado americano e sem produtos novos, conseguiu em 2018 vender 459 324 unidades, um aumento de 3% face a 2017! Imaginem isto: a gama da Dodge tem modelos com mais de uma década e o Challenger tem como plataforma o Mercedes Classe E de 1995. Apesar disso e graças ás versões mais ou menos estranhas que tem lançado, o Challenger estabeleceu o recorde de vendas do modelo em 2018, com 66 716 unidades!! Fora dos EUA, a Dodge é inexistente, exceção feita a algumas unidades vendidas no Médio Oriente. E apesar de muitos serem os adeptos do Challenger no Velho Continente que suplicam à FCA a vinda para a Europa, tal não deverá acontecer, até porque “gato escaldado de água fria tem medo” e a passagem anterior da marca por cá não correu nada bem.

A crescente procura de SUV e a aura de marca de modelos todo-o-terreno puro e duro, deu à Jeep um sucesso inesperado, transformando-a em um dos bens mais preciosos da FCA. As vendas da Jeep cresceram 17% em 2018, nos EUA, alcançando 973 227 unidades. O modelo mais vendido é o Wrangler, carro que não tem rivais em todo o mundo, seguido pelo Cherokee. Em 2018, a Jeep ultrapassou, pela primeira vez, a Land Rover em termos de vendas. A FCA fez um enorme esforço para divulgar a marca fora dos EUA e a verdade é que essa aposta está a oferecer dividendos, pois no mundo inteiro vendeu 1,6 milhões de unidades, mais 12,4% face a 2017, um resultado absolutamente fantástico.

Os planos de ressurreição da Alfa Romeo mais pareceram planos de embelezamento para venda. Tudo começou em 2013, revelando o 4C feito em fibra de carbono, e prometendo os responsáveis da marca vendas acima das 500 mil unidades/ano a partir de 2014 e uma gama completa de modelos que iriam rivalizar com a BMW. A verdade é que passados seis anos, a gama continua a ter um 4C que não se vende, um Giulietta já com nove anos e a precisar de renovação urgente e as duas peças de joalharia, o Giulia e o Stelvio. Se as vendas na Europa estão em queda, nos EUA, a Alfa Romeo conseguiu vender mais 98% que em 2017. Porém, as vendas globais da casa de Arese não ultrapassaram as 122 553 unidades, um crescimento de 12,6% face a 2017, mas com grande dependência do mercado europeu. A Alfa Romeo poderá ser muito útil no caso de uma fusão com a Renault e ajudar a Infiniti, marca de luxo da Nissan que em 2020 perderá a aliança com a Daimler.

Posicionada acima da Alfa Romeo, a Maserati permitira à Renault entrar num mercado onde nunca esteve presente. A marca do Tridente posiciona-se, de forma exageradamente ambiciosa, como rival da Porsche com um gama envelhecida e que em 2018 encontrou, apenas, 36 500 clientes, uma quebra de 21% face a 2017 e muito longe do objetivo de 75 mil unidades/ano, estabelecido em 2014. Apesar de tudo isto, a Maserati poderá levar o grupo nascido da fusão entre a FCA e a Renault para o segmento dos carros de luxo, mas com uma abordagem diferente. Curiosamente, se a fusão entre a FCA e a Renault for por diante, a casa italiana volta a ser posicionada como marca de luxo de um construtor francês. Recordam que a Maserati foi propriedade da Citroen entre 1968 e 1975?

Impressiona ver uma marca como a Lancia arrastar-se no tempo como um morto vivo, confinada a Itália e a um único modelo, o Ypsilon, velho e sem atualizações. Todos acreditam que a FCA vai acabar com o estertor da Lancia mais cedo que tarde e não se crê que a Renault pense o contrário.

Onde entra a Nissan?

Recordamos que a Renault salvou a Nissan quando em 1999 investiu na marca japonesa. Criaram uma aliança e em 2019, a Renault detém 43,4% da Nissan e a marca nipónica apenas 15% do capital da Renault, sem direito a voto. É proprietária de 34% da Mitsubishi, marca que acabou comprada pela Nissan devido a um escândalo com os preços e os valores declarados de emissões e consumos. Antes da prisão de Carlos Ghosn, estava a ser preparada a fusão da Renault com a Nissan, mas com esta situação de Ghosn, os executivos da casa japonesa têm-se oposto de forma veemente à fusão. Aliás, dizem algumas fontes que a prisão de Ghosn foi uma armadilha atirada ao gestor brasileiro para evitar que a fusão fosse em frente.

E se for verdade aquilo que alguns responsáveis da Nissan, a coberto de anonimato, revelaram, o nível de relacionamento entre a Renault e a casa japonesa desceu até à cave: a Nissan só soube das conversações sobre a fusão da FCA com a Renault dias antes delas serem anunciadas nos órgãos de comunicação social. E para a Nissan torna-se um desconforto, pois a mensagem é evidente: gostamos de estar juntos, mas não necessitamos de vocês para nada. E, na verdade, a Nissan não tem possibilidades reais de impedir a fusão entre a FCA e a Renault, pois não tem direito de voto e quase nenhuma influência na parceria e se a fusão avançar, a Nissan reduzirá a sua participação para meros 7,5%, ou seja, com ainda menor protagonismo numa hipotética aliança. O que pode fazer a Nissan? Aceitar a situação e tentar beneficiar dela, tentar renegociar a sua posição na aliança ou, simplesmente, sair dela. Qualquer uma delas será sempre dolorosa, especialmente a última delas. 

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