Ensaio histórico Lancia Delta HF Integrale Evoluzione: Deltona, a referência

By on 7 Abril, 2023

Por José Vieira

Seis títulos de campeão mundial de ralis (marcas), cinco títulos mundiais de ralis (pilotos), cinco títulos europeus de ralis e centenas de vitórias nas mais importantes provas disputadas por esse mundo fora, tal é o impressionante palmarés do Lancia Delta HF, uma das máquinas de maior sucesso em toda a história dos ralis.

Lançado como automóvel de turismo em 1979, num feliz desenho de Giorgetto Giugiaro, o Lancia Delta despertou, desde logo, a atenção, conquistando diversos troféus internacionais, que culminaram com o tão ambicionado título de “Carro do Ano de 1980”. A sua vocação desportiva teve início em 1982 quando, no Salão de Turim, a marca italiana apresentou o Delta Turbo 4/4, um protótipo que viria a dar origem, anos mais tarde, ao lntegrale.

Contudo, nessa época, a Lancia estava muito bem servida nos ralis mundiais com o lindíssimo “037”, um “coupé” com motor de 2 litros, montado em posição central traseira e que, mercê de uma sobrealimentação por compressor volumétrico, debitava qualquer coisa como 280 a 350 CV. Para 1985, a FlSA decidiu acabar com o Grupo 4 e criou o novo Grupo B, que deu origem a autênticos “monstros”, produzidos em séries limitadas de apenas 200 unidades para efeitos de homologação. A resposta da Lancia recaiu no fabuloso Delta S4, com um pequeno motor de 1.759 c.c. de cilindrada capaz de potên- cias entre os 400 e os 500 CV e que deu à marca italiana, em dois anos de competição, cinco vitórias em provas do Mundial de Ralis e o título europeu de pilotos (Fabrizio Tabaton) em 1986.

Uma sucessão de graves e mortais acidentes, originados por uma clara inadaptação de tamanha potência às estreitas e sinuosas estradas do Mundial de Ralis, levou a Federação a pôr fim à participação dos Grupo B neste campeonato, passando a reservá-lo a carros do Grupo A, directamente derivados dos modelos de série. Era o início da era “lntegrale”.

Deltona

O modelo de que hoje vos falamos representa a última evolução do Lancia Delta HF lntegrale, em versão não catalisada. Esta versão, lançada em Outubro de 1991 e oficialmente chamada de “Evoluzione”, é, contudo, conhecida nos meios desportivos por “Deltona”, devido ao seu ar imponente, conferido pelos guarda-lamas bastante alargados, em virtude do aumento das vias em relação à versão anterior (54 mm à frente e 60 mm atrás) e, claro está, à montagem de rodas mais largas. Exteriormente, e ainda em relação à versão anterior HF lntegrale 16V, este modelo apresenta um capot mais alto com entradas de ar alargadas, uma grelha redesenhada, onde foi colocado o célebre emblema HF “Elefantino” e um novo pára-choques, mais arredondado, com maiores entradas de ar e alojando novos projetores de longo alcance.

Na parte traseira, sobre o pára- brisas, foi instalada uma aleta aerodinâmica (“aileron”) regulável que permite, em posição neutra, um alongamento do teto, melhorando o escoamento aerodinâmico, reduzindo um pouco o consumo e também os ruídos devidos à deslocação do ar. Para aumentar a aderência do trem motriz, essa aleta possui duas posições de regulação, originando distintos ângulos de inclinação e contribuindo para um sensível incremento da força de sustentação negativa.

As rodas, de 15 polegadas de diâmetro, possuem um novo desenho, praticamente idêntico ao da versão de competição, o tampão da gasolina é também diferente e os guarda-lamas dianteiros têm saídas de ar integradas.

O habitáculo não sofreu mudanças radicais, aparte um novo volante forrado a pele, um design diferente da instrumentação e bancos redesenhados, forrados a Alcântara e construídos pela Recaro. Estes bancos são, anatomicamente, muito eficazes, contribuindo em larga escala para o conforto da condução. A instrumentação é muito completa com nada menos que oito instrumentos: velocímetro, conta-rotações, termómetro de água, voltímetro, manômetro do turbo, indicador de gasolina, manómetro de óleo

e termómetro de óleo, para além de um completo ‘checK panel’ que vigia as principais funções do carro.

Do ponto de vista mecânico, o “Deltona” mantém o mesmo motor de 4 cilindros e 16 válvulas, com 1.995 c.c. de cilindrada, mas a potência subiu de 200 para 210 CV a 5.750 rpm, graças a uma nova gestão electrónica do motor e a modificações no sistema de escape. O binário máximo manteve-se nos 298 Nm, mas o regime subiu de 3.000 para

3.500 rpm sem que tenha afetado seriamente a elasticidade do motor. De facto, o motor possui, já a partir das 2.000 rpm, de um notável binário, sempre disponível até ao regime máximo.

A suspensão dianteira, do tipo McPherson, embora mantendo a mesma composição de braços oscilantes inferiores, adopta uma barra estabilizadora mais fina, novos amortecedores hidráulicos telescópicos de duplo efeito e uma barra de ligação entre as cúpulas dos amortecedores. Atrás, não há grandes modificações: esquema McPherson com hastes transversais, tirantes de reação longitudinais, barra estabilizadora mais fina e amortecedores semelhantes aos da frente. Tudo isto para além do substancial alargamento das vias, de que já falámos e que permitiu que as barras estabilizadoras sejam mais finas, melhorando o conforto. Os travões são de disco às quatro rodas, ventilados na frente, com pinças dianteiras de cilindro duplo e traseiras flutuantes. O ABS é de série, utilizando um esquema de 4 canais e seis sensores. A direção é de pinhão e cremalheira com servo-assistência.

Um regalo na estrada

Embora seja um modelo facilmente utilizável na cidade, é na estrada que o lntegrale pode revelar todos os seus dotes. Ainda hoje, mais de doze anos volvidos sobre o seu lançamento, o “Deltona” revela-se como um dos mais notáveis estradistas que tivemos oportunidade de

conduzir, especialmente em percursos sinuosos e relativamente rápidos, que permitam tirar partido da sua impressionante agilidade, da elevada aderência e da capacidade de tra vagem. Nos limites, é levemente subvirador, mas é preciso ter alguma atenção nas correc ções para evitar o efeito de chicote, típico destes desportivos com uma potência apreciável e grande aderência.

Em utilização quotidiana é um carro que exige alguns cuidados básicos, mas não mais do que aqueles que são normais numa mecânica de competição. O principal deles todos, é estar vigilante à correia de distribuição. Correia partida significa válvulas desgovernadas e… motor partido! Fala a experiência: se possui um destes modelos, não acredite na informação de fábrica que aconselha a mudar a correia a cada 30 mil quilómetros. Eu diria cada 15 mil quilómetros ou, no máximo, cada 20 mil quilómetros.

No meu caso pessoal, em que ando muito frequentemente com o carro, mas não faço elevadas quilometragens, prefiro não exceder o período temporal de ano e meio para a substituir e observo com alguma regularidade o seu estado de conservação. Também lhe pode acontecer, de repente, saltar o tubo do sistema de sobrealimentação, por mau aperto das braçadeiras ou por deslizamento destas devido a resíduos de óleo.

Não se preocupe e acabe tranquilamente o seu trajecto.

O carro fica atmosférico, mas sem consequências para o motor. Um outro conselho que lhe podemos dar é montar um corta-circuitos para poder desligar a bateria sempre que não andar com o carro alguns dias. A bateria de 55 A é tão pequena e a passagem de corrente tão grande (!) que bastam alguns dias de imobilização para que o carro não arranque, sobretudo se a bateria já estiver fraca. Tenha, também, algum cuidado com acelerações e passagens de caixa intempestivas que vão sobrecarregar o diferencial traseiro tipo Torsen.

É normal que, após cerca de 30 mil quilómetros, comece a sentir um “coice” mais acentuado deste diferencial, mas a sua vida útil é difícil de quantificar: pode durar 50, 60 mil quilómetros ou mesmo mais.

A situação vai-se agravando ao longo do tempo e, se for esse o seu caso, vá-se preparando para uma apreciável quantia, pois o diferencial é fabricado pela Muaife!

Não se alarme com o consumo de óleo. Eu diria que, se o carro não consumisse óleo é que era caso para alarme. É normal um consumo de 1 litro ou mesmo 1,5 litros por cada mil quilómetros, dependendo dos trajetos que efetua.

Se o motor consumir mais óleo e (ou) constatar a saída de fumos mais escuros pelo escape, visite a sua oficina para que verifiquem a estanquecidade do motor, sobretudo a nível de juntas. Nunca pare o motor de repente, principalmente se o ventilador estiver em funcionamento. Deixe que este acabe o seu trabalho. É um conselho genérico para todos os motores sobrealimentados a fim de preservar o turbocompressor na sua generalidade e, em especial, a sua parte mais sensível: as aletas. Uma das perguntas que me fazem com alguma frequência é a de quanto gasta o carro.

Costumo parodiar dizendo que o carro não gasta muito, o depósito de gasolina é que é pequeno! A fábrica indica uma média global ponderada de 13 litros aos 100 quilómetros, o que até será verdade se utilizar o “Deltona” pacatamente.

Se pisar um pouco mais o acelerador o consumo dispara para 17 ou 18 litros ou mesmo mais. É quase impossível ir de Lisboa ao Porto (ou vice-versa) com um único depósito de combustível, a menos que queira mesmo passar o tempo. É a tal história: o depósito é que é pequeno! E é mesmo.

Um último conselho: não poupe na qualidade dos pneus. É fundamental ter um pneu de flancos e carcaça rígida, perfil baixo (mas não exagere) e uma mistura acertada.

No meu caso, aprecio bastante o Pirelli PZero assimétrico, mas, infelizmente, a Pirelli deixou de fabricar este pneu na medida de 15 polegadas. A próxima vez que mudar irei para uns Michelin Sport, de que tenho excelentes referências ou mesmo para uns Bridgestone.

Características

MOTOR – 4 cilindros em linha, em posição transversal dianteira; diâmetro x curso 84 x 90 mm; cilindrada 1.995 c.c.; potência máxima 210 CV a 5.750 rpm; binário máximo 298 Nm a 3.500 rpm; distribui-ção com 4 válvulas por cilindro, 2 veios de excêntricos à cabeça e 2 veios de eguilibragem; alimentação com injecção electrónica Weber I.A.W.; sobrealimentação com turbo compressor Garrett T3 arrefecido a água e com permutador de calor orlar.

TRANSMISSÃO – tracção integral permanente com diferencial central, repartidor de binário epicicloidal e junta viscosa Ferguson e diferencial traseiro tipo Torsen; embraiagem monodisco a seco com comando hidráulico e caixa de 5 velocidades.

PERFORMANCES – velocidade máxima 220 km/h; aceleração de O a 100 km/h em 5,7 segundos e de O a 1.000 metros em 26,1 segundos; potência específica 105,2 CV/litro; relação peso/potência 6,19 kg/CV.

SUSPENSÕES – Dianteira tipo McPherson com braços inferiores oscilantes e barra estabilizadora; Traseira tipo McPherson com hastes transversais, tirantes de reacção longitudinais e barra estabilizadora; amortecedores hidráulicos telescópicos a gás de efeito duplo às 4 rodas.

DIREÇÃO – pinhão e cremalheira servo-assistida; 2,8 voltas do volante de extremo a extremo e 10,4 metros de diâmetro de viragem.

DIMENSÕES, PESOS E CAPACIDADES – comprimento 3,898 m, largura 1,767 m, altura 1,365 m, distancia entre eixos 2,479 m, vias Fft 1,502/1,1,500 m; peso 1.300 kg; porta-bagagens de 200 litros; depósito de gasolina de 57 litros; rodas 7,5 J x 15; pneus Pirelli PZero asimmetrico 205/50 ZR15.

TRAVÕES – de disco às 4 rodas, ventilados na frente e ABS de 4 canais e 6 sensores com sensor de movimento longitudinal.

AS DATAS-CHAVE DO LANCIA DELTA HF

■ Maio de 1986 – Nasce o Delta HF 4WD, versão desportiva do Delta equipada com tração integral permanente. Motor de 1.995 c.c., sobrealimentado com turbo compressor e “overboost” e 165 CV de potência. A transmissão adopta um diferencial central repartidor de binário, um diferencial dianteiro epicicloidal com união viscosa Ferguson e limitador de deslizamento e um diferencial traseiro tipo Torsen.

■ Novembro de 1987 – É apresentado o Delta HF lntegrale como evolução natural do 4WD. Esteticamente é caracterizado por uma maior agressividade e uma personalidade mais desportiva. Motor de 1.995 c.c. sobrealimentado com turbo compressor, “overboost” e permutador de calor (“intercooler”). Veios duplos de equilibragem rodando em sentido contrário ao da cambota, ignição e injecção com gestão electrónica integrada e sensor de ignição. A potência subiu para 185 CV e, das “performances” destacam-se uma aceleração de 0 a 100 km/h em 6,6 segundos e uma velocidade máxima de 215 km/h.

■ Maio de 1989 – O motor de 4 cilindros, até então com uma distribuição de 8 válvulas, passa a dispor de 16 válvulas, adoptando o modelo a designação de Delta HF lntegrale 16V. A potência sobe para 200 CV e as “performances” melhoram: 5,7 segundos para passar de 0 a 100 km/h e 220 km/h de velocidade máxima. Entre outros melhoramentos salientam-se a embraiagem com comando hidráulico, um repartidor do binário-motor no eixo traseiro, travões de disco redimensionados e com ABS e rodas e pneus mais largos.

■ Outubro de 1991 – Nova e derradeira evolução, conhecida como Delta HF lntegrale Evoluzione. A suspensão dianteira é inteiramente nova e a traseira sofre diversas melhorias, as vias são alargadas, dando origem a guarda-lamas substancialmente alargados e contribuindo para um “look” avassalador, a tal ponto que o carro passa a ser apelidado de “Deltona”. A potência sobe para 210 CV a 5.750 rpm, graças a diversas modificações a nível da sobrealimentação e da gestão electrónica do motor e são introduzidas melhorias em praticamente todos os domínios técnicos.

■ Junho de 1993 – Para satisfazer a legislação ambiental que, entretanto, entrou em vigor, o Deltona recebe um catalisador trivalente com sonda lambda, passando a receber a designação de Evoluzione 2.

AS PRINCIPAIS VITÓRIAS

1987

■ Delta HF 4WD, campeão mundial de ralis (marcas), com nove vitórias

■ Juha Kankkunen, campeão mundial de ralis (pilotos), com duas vitórias

■ Dario Cerrato, campeão europeu de ralis

1988

■ Delta HF lntegrale, campeão mundial de ralis (marcas), com dez vitórias

■ Massimo Biasion, campeão mundial de ralis (pilotos), com cinco vitórias

■ Fabrizio Tabaton, campeão europeu de ralis

1989

■ Delta HF lntegrale, campeão mundial de ralis (marcas), com sete vitórias

■ Massimo Biasion, campeão mundial de ralis (pilotos), com cinco vitórias

■ Yves Loubet, campeão europeu de ralis

1990

■ Delta HF lntegrale 16V, campeão mundial de ralis (marcas), com seis vitórias

■ Rober t Droogmans, campeão europeu de ralis

1991

■ Delta HF lntegrale 16V, campeão mundial de ralis (marcas), com seis vitórias

■ Juha Kankkunen, campeão mundial de ralis (pilotos), com cinco vitórias

■ Piero Liatti, campeão europeu de ralis

1992

■ Delta HF lntegrale Evoluzione, campeão mundial de ralis (marcas), com sete vitórias

■ Apesar das seis vitórias, Didier Auriol não alcançou o título mundial