Sabe quais foram alguns dos carros que vieram da pista para a estrada? (Parte 2)

Sabe quais foram alguns dos carros que vieram da pista para a estrada? (Parte 1)

By on 5 Junho, 2020

O passado tem histórias deliciosas, do tempo em que para homologar um carro para a competição, a Federação Internacional do Desporto Automóvel (FISA) obrigava á construção de um número surreal de unidades legais para serem usados na estrada. Vamos olhar para o retrovisor e ficar a conhecer alguns dos carros mais delirantes que chegaram á estrada para serem campeões em pista.

Ferrari 250 GTO (1962)

Para participar no Grupo 3 das competições internacionais, nos anos 60 do século passado, era necessário produzir 100 carros de estrada. Só nessa altura era feita a homologação do carro para a competição. A Ferrari desenhou o 250 GTO equipado com o motor V12 de 3.0 litros, mas Enzo Ferrari não tinha vontade nenhuma de fazer 100 unidades do 250 GTO, um carro feito à mão (diz-se que não há um carro igual ao outro) e com custos avultados. Por isso mesmo, Enzo Ferrari utilizou uma numeração de chassis não sequencial para enganar os inspetores e, reza a lenda, que não foram feitos mais de 39 carros de estrada. Com o 250 GTO a Ferrari ganhou os títulos de GT entre 1962 e 1964 e os poucos, muito poucos carros de estrada custa milhões. Muitos milhões.

Ford GT40 (1964)

Henry Ford II ficou piurso quando Enzo Ferrari, à última da hora, decidiu não lhe vender a Ferrari e por isso, obstinou-se e quis ganhar as 24 Horas de Le Mans nas barbas da casa de Maranello. Não foi fácil, mas com a ajuda da Lola, a Ford conseguiu criar o GT40 que acabou por ganhar a prova francesa entre 1966 e 1969, esmagando a Ferrari. O carro de estrada era igualzinho ao de corridas, com a mesma carroçaria de fibra, o mesmo chassis e suspensões, além do motor V8 de 4.2 litros, aqui ligeiramente menos potente, com 340 CV. Uma máquina velocíssima capaz de chegar aos 265 km/h. Para a época e para um carro de estrada…

Dodge Charger Daytona (1969)

O campeonato Nascar significava carros “stock” ou seja, carros de série. Mas depois de um começo que fazia jus ao seu nome, a competição foi-se desenvolvendo e com a chegada de pistas com muita inclinação nas curvas, a aerodinâmica passou a ser essencial. Com um Charger 500 pouco competitivo, a Dodge lembrou-se de olhar para o regulamento. Em 1969, eram precisas 500 unidades para homologar um carro e os engenheiros da Dodge perceberam que se colocassem um cone na frente do Charger e uma enorme asa na traseira, o carro seria muito mais competitivo. A Dodge fez os 500 Charger Daytona equipados com o brutal V8 de 7.2 litros, exceto 70 unidades que tinham um V8 HEMI com 7 litros. Sem surpresa, venceu a sua primeira prova, em Talladega, muito por causa do boicote que muitos pilotos fizeram. O Charger Daytona permitiu que Buddy Baker fosse o primeiro piloto da Nascar a ultrapassar as 200 mph (320 km/h). O carro venceu seis corridas em 1969 e 1970, o seu irmão gémeo, o Playmouth Road Runner Superbird ganhou oito corridas em 1970 e estabeleceu diversos recordes. A Nascar não gostou do truque e alterou as regras no final de 1970, eliminando o Dodge Charger Daytona e o Plymouth Road Runner Superbird. Hoje é um carro muito procurado com alguns modelos a mudarem de mãos por valores perto do milhão de dólares.

Playmouth Road Runner (1970)

Bip Bip!!!! A famosa banda desenhada do Coyote e do Papa léguas, chegou ao universo automóvel, com a Plymouth a pagar 50 mil dólares à Warner Bros para usar o nome “Road Runner” e mais 10 mil dólares só para desenvolver a buzina que imitava o som do Papa Léguas. Foi um “muscle car” mas para esta história só conta o Superbird de 1970. Na guerra aerodinâmica da Nascar em 1969, a Chrysler lançou um muito especial Charger denominado Daytona. Richard Petty usava os Plymouth e não gostou de ficar para trás. Pressionou a Chrysler, esta não lhe deu os modelos da Dodge e Petty assinou com a Ford e quase ganhava o campeonato de 1969. Voltou atrás e a Plymouth lá fez o Road Runner Superbird, para 1970 com as mesmas alterações aerodinâmicas do Dodge Charger Daytona. A Nascar exigia 500 unidades para homologar um carro, mas em 1970 decidiu que cada construtor teria de produzir um carro por cada concessionário. Isso obrigou a Plymouth a produzir 1935 unidades – que teve enormes dificuldades em vender! – com a frente aerodinâmica, a enorme asa traseira e o motor V8 com 7 litros e 430 CV. Pouco sobraram, não só porque foram sendo destruídos na competição, mas também por uma tendência para enferrujar. Muitos desapareceram corroídos até não terem salvação.

Lancia Stratos (1974)

Primeiro foi criado como o carro perfeito para os ralis: carroçaria leve, chassis robusto com suspensões independentes, uma silhueta em cunha muito aerodinâmica e uma distância entre eixos curta. Chamava-se Stratos High Fidelity (HF). Foi o carro desenhado pela Lancia para ser usado no Mundial de Ralis, estava equipado com o motor V6 da Ferrari Dino e era uma máquina infernal. Para ser homologado, a Lancia tinha de produzir 500 unidades. O carro de estrada era igualzinho ao carro de ralis e o motor Ferrari com 2.4 litros e 195 CV também era o mesmo. Desenhado por Bertone e não por Pininfarina, o Stratos foi um sucesso tendo ganho o Mundial de Ralis em 1974, 1975 e 1976. A Lancia não chegou a produzir as quinhentas unidades exigidas, primeiro porque convenceu a FIA que iria fazê-lo mesmo não o tendo todos construídos quando o carro foi homologado. Começou a fazer o carro em 1973 e terminou a produção em 1975, tendo pelo meio o motor sido descontinuado pela Ferrari, sendo o número oficioso de viaturas construídas de 492, aproveitando a Lancia que o regulamento mudou para 1976, exigindo apenas 400 carros em 24 meses. Há quem diga que as unidades feitas foram bem menos. Seja como for, é um carro muito raro e com preços elevadíssimos.

Renault 5 Turbo (1980)

Quando a Lancia dominava o Mundial de Ralis e a Renault queria ser um protagonista do Mundial e por isso lançou o 5 Turbo. Mas este não era um R5 qualquer: motor central traseiro, tração às rodas traseiras e um bloco de 1.4 litros sobrealimentado. Foram feitas 400 unidades para homologação e mais tarde surgiram 200 versões do Turbo2. Nasceram várias variantes para os Ralis (Cévennes, com 180 CV, Tour de Corse, com 210 CV e Maxi com 350 CV) tendo ganho quatro provas do Mundial entre 1981 e 1986: Rali de Monte Carlo 1981, Volta à Córsega 1982 e 1985 (Jean Ragnotti) e o Rali de Portugal 1986, com Joaquim Moutinho a ganhar a prova depois do abandono das equipas oficiais na sequência do despiste de Joaquim Santos (Ford RS200) no troço da Lagoa Azul e que teve como saldo muitos feridos e algumas mortes.

Ford RS 200 (1984)

Os ralis mundiais tinham-se vergado á eficácia e fiabilidade dos Escort RS1800 de grupo 4, modelo que continuou a competir até bem tarde, já incapaz de lutar com os 4×4. Decidida a regressar ao topo, a Ford decidiu apostar, novamente, no Escort, mas desta feita com uma versão estranha o 1700T. Um carro moderno com tecnologia do passado e, sobretudo, tração traseira, numa altura em que a Audi inventou o sistema quattro de tração integral. Foi um projeto que envergonhou a Ford Motorsport e cuja incapacidade de fazer bons tempos, fê-lo permanecer, até hoje, como um nado morto, apesar de muitos testes. Começava, aqui, a ideia da construção do RS200, talvez o mais bonito Grupo B, de sempre, mas que viveu pouco devido ao fim do grupo B. O resultado da afronta da Audi com o Quattro Turbo, é o RS200 equipado com um motor de 1.8 litros turbo e uma carroçaria leve feita em fibra de vidro. A Ford construiu, mesmo, 200 unidades, mas o Grupo B acabou repentinamente e a casa americana ficou com o “menino” nos braços. Mas conseguiu vender a maioria dos carros e hoje o RS200 é muito procurado.

Peugeot 205 Turbo 16 (1985)

Para homologar um carro no Grupo B, exigia-se o mínimo de 200 unidades produzidas. Claro que o 205 era um carro de produção em massa, mas dificilmente seria competitivo no Grupo B. Então, pegando no pequeno 205, a Peugeot Sport criou um verdadeiro monstro que era semelhante ao carro “normal” apenas no estilo. E mesmo assim… As 200 unidades do Peugeot 205 T16 produzidas tinham motor central traseiro com 200 CV, suspensão independente nas quatro rodas, tração integral, dois lugares (o interior era decalcado do 205 GTI 1.9) e foram pintados de uma só cor para facilidade de produção. Um caro que foi um sucesso pois ganhou duas vezes o Mundial de Ralis (1985 com Timo Salonen e 1986, com a versão Evo 2, tendo ao volante Juha Kankkunen. Acabava aqui o Grupo B e um dos carros mais espetaculares dos ralis terminava a sua carreira em 1986, sendo a versão de estrada muito procurada.

Ford Sierra Cosworth (1986)

O Sierra nunca teve ambições desportivas, mas a Ford sentiu a necessidade de regressar à competição em pista, depois de ter por lá passado com muito sucesso. Mas este regresso era específico: a casa da oval azul queria regressar aos tempos dos Cortina e dos Escort MKI, onde dominaram as corridas de Turismos. Acabada de perder rios de dinheiro com o desenvolvimento, primeiro, do RS1700T e, depois, com o RS200, que acabariam por não ser bem sucedidos e liquidados com o fim do grupo B, a Ford preferiu fazer um investimento seguro. Assim, pegou na versão de três portas do Sierra (muito desajeitada, diga-se), foi até à Cosworth pedir-lhes um motor de 4 cilindros com cabeça de 16 válvulas e sobrealimentação e colocou o carro nas mãos da Ford Motorsport. O motor Cosworth debitava 300 CV na versão de corridas, 205 CV na versão de estrada, tinha tração às rodas traseiras e uma aerodinâmica refinada que contemplava um enorme spoiler traseiro em forma de barbatana de baleia que, mais tarde, apareceu, também no Escort RS Cosworth. Foram feitas 5 mil unidades para homologação, com a Ford a perder dinheiro em cada unidade, pois o medo dos concessionários não conseguirem escoar o carro limitou o equipamento e as cores disponíveis, baixando assim o preço. Mais tarde a Ford fez uma versão especial RS500, que dominou a cena das corridas de Turismos, tendo sido utilizado, igualmente, nos Ralis tendo ganho uma única prova do Mundial de Ralis, a Volta á Córsega de 1988, com Didier Auriol e Bernard Occelli. É, hoje, uma peça de coleção.

Citroen BX 4TC (1986)

Tentar fazer de um BX um carro de corridas com hipóteses de vencer, só aconteceu em Portugal, no tempo do campeonato nacional de velocidade já nos anos 90.  Mas a Citroen Sport tentou muito e fez um dos carros mais estranhos do Mundial de Ralis, debaixo da regulamentação do Grupo B. Chamava-se BX 4TC e, naturalmente, a Citroen teve de produzir 200 unidades para o homologar. O carro tinha muitas semelhanças com a unidade de competição, incluindo a frente absurdamente longa onde estava, literalmente, pendurado um motor, alinhado longitudinalmente, de quatro cilindros sobrealimentado cujo bloco vinha do Simca Type 80, conhecido entre nós como SImca 1200, um carro dos anos 60. O motor ficava à frente das rodas dianteiras… A suspensão era hidromática como o carro de estrada. O carro fez três provas, acabou uma delas em sexto, e foi retirado de forma piedosa da competição, assim que foi conhecido o fim do grupo B ainda nesse ano de 1996. A Citroen não chegou a vender uma centena de unidades do BX 4TC, que além do motor com 200 CV tinha tração integral. Curiosamente, a Citroen tentou comprar de volta todos os carros vendidos para os destruir e esquecer-se desde horrível “flop”, mas a verdade é que uma mão cheia deles sobreviveu e hoje é um dos carros mais procurados pelos colecionadores.

Mercedes 190E 2.5 16 Evo II (1990)

O DTM conheceu dos carros mais espetaculares do desporto automóvel e, para não variar, um regulamento que abria a portas a muitas “séries especiais”. Quando a Mercedes decidiu entrar no DTM com o W201 (para quem não sabe, o Mercedes 190) foi uma gargalhada geral pois o carro era conotado com a família, a imagem de marca da Mercedes ainda estava ligada aos mais idosos e os taxistas tinham como alvo ter um 190 diesel. Mas ninguém esperava que do 190 nascessem dois carros absolutamente fabulosos. O Evo I tinha 200 CV, um motor feito pela Cosworth, alargamentos das cavas das rodas, suspensão desportiva e um interior… quase sem mexidas. Mas perante a evolução que o M3 E30 da BMW conheceu com a versão Evolution II, a Mercedes mexeu no 190 E Evo. A versão Evo II tinha asas maiores, alargamentos das cavas das rodas ainda maiores, jantes que preenchiam toda da cava da roda e o motor 2.5 litros passou a debitar 240 CV. Na versão de estrada. Como dizia o regulamento, a Mercedes construiu 500 carro do Evo I e 502 do Evo II. São carros muito raros e com valores elevadíssimos, existindo alguns em Portugal.

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